CONTO: "Por fim, Porfírio!", de Edson Rossatto

O ritual era sempre o mesmo. Virando a esquina na rua de paralelepípedos, a multidão seguia, ora rezando ora cantando, para o cemitério. Segura na mão de Deus e vai... Segura na mão de Deus... Faltavam poucas quadras para chegar, quando passavam pela porta da casa de Porfírio. Este era daquelas figuras exóticas e únicas, encontradas espalhadas pelas cidadezinhas do interior do Brasil.

Desde que se mudara para aquele município, aos oito anos, Porfírio tomou gosto por acompanhar cortejos fúnebres. Isso se deu quando um tio, irmão mais novo de sua mãe, morreu. Não tendo cultivado muitas amizades, o falecido recebeu poucas pessoas em seu velório, entre elas, seu pequeno sobrinho. A partir disso, Porfírio velava quem quer que morresse por ali. Acreditava que o defunto merecia uma última homenagem, mesmo que fosse de pessoas que não conhecia.



Desde que sua irmã, último parente vivo, mudara-se para outro estado, havia mais de dez anos, ele morava com sua companheira canina, Violeta, e só com ela.

Trancou o portão e esperou que o caixão chegasse mais perto. Quando isso aconteceu, colocou as mãos para trás e, seguido por Viola, como apelidara a cadelinha, foi acompanhando o ataúde, respeitando a velocidade dos carregadores.

Os moradores, vizinhos de Porfírio, alertados pela música, saíam à rua e espiavam. Quem havia morrido? Não importa! Para Porfírio não importava; o respeito era o mesmo.

Entraram pelos portões da necrópole e seguiram para uma sala, onde o morto pôde ser velado por alguns minutos antes de ser sepultado. A esposa gritava Eu vou com ele! Tentava se jogar em cima do caixão, mas era segurada pelo genro e pelo filho, já quando os coveiros o enterravam. Em seus 37 anos de velórios e enterros, Porfírio presenciara aquela cena algumas dezenas de vezes, quase uma centena.

O tempo foi passando e, como a única certeza da vida, foi chegado o dia em que o respeitoso, pelo menos para os defuntos, senhor Porfírio de Castro, solteiro, aos 46 anos, morreu em consequência de um câncer no pulmão. Certamente, isso se devia ao cigarro. Fumava muito do lado de fora dos velórios pela madrugada. Raramente acompanhava somente o cortejo, como era o caso.

Por fim, e enfim, daquela vez, o velório era o seu. Entretanto, era final da Copa do Mundo, e o Brasil estava jogando. Além de Violeta, só o coveiro compareceu... e estava com o rádio de pilhas.