CONTO: "Cartas a um irmão", de Edson Rossatto

“São Paulo, 02 de março

Querido Cá,
Estou te escrevendo para saber notícias suas. Chegou bem de viagem? Como estão todos aí? Aposto que a tia Maria anda empanturrando você com aquelas broas de milho que ela costumava fazer. Faz tempo que eu não como broa de milho. Só tenho comido comida normal, sem nenhuma regalia. Dá até vontade de sair daqui correndo para ir aí. Está bem acomodado? Está no quarto do primo? Espero que não passe frio. Ele ainda tem a péssima mania de dormir com o ventilador ligado, mesmo no inverno? Ele é muito doido! Está tudo bem aí? Aqui está tudo bem, graças a Deus! Mande notícias. Estou com saudades!
Da irmã que te adora, Bia”



“São Paulo, 11 de março

Cláudio,
Estou preocupada! Não sei nada de você desde que viajou para o Rio. Estou sem o telefone da tia. Aliás, nem sei por que estou aqui. Eu devia ter ido com você! Está acontecendo alguma coisa? Está precisando de mim? Por favor, escreva!
Da sua irmã, Beatriz”


“São Paulo, 20 de março

Cláudio,
Por que não responde às minhas cartas? Eu sou sua irmã mais velha, praticamente te criei. Lembra de quando a mãe queria bater em você porque você quebrou o box do banheiro e eu disse que tinha sido eu, lembra? Você não tem consideração? Não custa escrever uma carta, ou telefonar, se bem que eu nem sei se aqui tem telefone. Eu amo muito você! Por favor, responda...! Estou muito aflita!
Beatriz”


“São Paulo, 28 de março

Cláudio,
Você não me ama mais? Não é possível! Eu fiz alguma coisa pra você? Eu te peço perdão, seja lá o que foi que eu tenha feito, mas volte a me amar. Preciso de você! Ninguém mais fala comigo! Estou muito sozinha!
Da sua irmãzinha, Beatriz”



Hospital Psiquiátrico Dr. Jaime Fernandes
Relatório médico mensal
De 01/03 a 31/03

Paciente: Beatriz Diegas Ruiz

A paciente apresentou comportamento agressivo gradativo. Desde 02/03/2005, passou a escrever cartas semanais com destinatário “Cláudio Diegas Ruiz”, seu suposto irmão, no Rio de Janeiro. Pesquisamos em nossos registros e constatamos que realmente a paciente possuía um irmão com esse nome, entretanto este faleceu em um acidente de carro a caminho do aeroporto, onde pegaria a ponte aérea Rio—São Paulo. A paciente era quem conduzia o veículo. Depois que deixou o hospital, em 20/02/2005, onde se curou de ferimentos graves, Beatriz Diegas Ruiz tem sido nossa paciente. As cartas que ela acredita enviar ao irmão são arquivadas pelas enfermeiras junto à sua ficha médica. Entretanto, após escrever a última correspondência, foi tomada por violento estado de cólera, agredindo as enfermeiras. Dr. Álvaro receitou sedativos. A paciente permanecerá em tratamento químico até segunda ordem.


Texto adaptado para o cinema. Clique no link e assista: http://www.edsonrossatto.com/2009/12/blog—post.html