CONTO: "Breu", de Edson Rossatto

Faltavam poucos minutos para a meia noite. A lua ia alta no céu, embora, vez ou outra, fosse coberta pelas nuvens. O ônibus estacionou próximo ao ponto e o motorista esperou que a última passageira desembarcasse para seguir viagem direto para a garagem. Mal o veículo partiu, a moça saiu apressadamente. Em seus braços, encolhida, carregava uma criança de colo, talvez quase por completar um ano. Fazia isso com certa dificuldade, pois levava, também uma bolsa. Aquela hora não era propícia para alguém indefeso caminhar pelas ruas, principalmente em um bairro tão perigoso, e os meliantes sabiam disso.


Poucas semanas atrás, um garoto de dezessete anos havia sido assassinado em algum momento da madrugada sem que ninguém soubesse o motivo. Seu corpo fora encontrado jogado em uma vala não muito longe da casa dessa moça, e isso não lhe saía da cabeça. Estava com muito medo, razão pela qual apertava a criança sonolenta junto ao peito e olhava constantemente para os lados. A rua estava deserta. Podia-se ouvir sons que, durante o dia, passariam despercebidos. Continuou a andar. Seu coração disparou ao ver, na esquina do quarteirão seguinte, dois homens, envoltos em fumaça de cigarro. Baixou os olhos e procurou passar pelo outro lado da rua. O pavor que sentia a impedia de encará-los, mesmo porque não era muito seguro fazer isso com desconhecidos no breu que se seguia.
Encostado em um poste que mal iluminava a rua, um deles tragou a fumaça e a soltou vagarosamente pelo nariz. Ficou, então, a observar a jovem, que andava apressadamente, dizendo, em seguida, algo ininteligível para o que estava agachado. Antes que o cigarro queimasse em sua totalidade, fez um sinal com a mão para o outro e passou a segui-la a certa distância. Procurava não evidenciar sua presença, mas seu plano não dera certo. Quando o sentiu atrás de si, a mãe apertou o filho contra o peito e passou a andar mais rápido. Ele também.

Passava por portas de aço fechadas e residências que, outrora, constituiriam um refúgio para ela e sua criança. Contudo, seu único pensamento era chegar logo em sua casa e se atirar nos braços do esposo.

Ao virar à direita, já entrando na rua em que morava, saindo das vistas do seu seguidor, a moça literalmente correu, procurando não deixar o filho cair. Suava gelado. Assim que virou a esquina, a única visão do homem foi a da garota fechando o portão e entrando desesperadamente pela porta da frente de sua casa. Ele parou, jogou a bituca no chão e sorriu, balançando a cabeça. Virou de costas e voltou para o lugar de onde viera. Sua missão estava cumprida: ela estava a salvo.