CONTO: "Detalhe", de Edson Rossatto

Semáforo verde. O carro seguiu pela tranquila avenida Paulista que, durante a semana, comumente, estava engarrafada. São Paulo, noite de sábado, solícita aos que procuram diversão. Augusto dirigia-se à casa de Yolanda para busca-la a fim de jantarem no Fasano’s. Programa caro, entretanto a ocasião justificava. Seria o primeiro encontro oficial, já que haviam se topado coincidentemente por duas vezes, na rua, na hora do almoço, embora não tivessem tido tempo para conversar mais do que o necessário para se tomar um sorvete, ou um suco. Os contatos davam-se por telefone ou e-mails. Bendita a tecnologia que aproxima as pessoas!

Conheceram-se no aniversário de uma amiga em comum três meses antes. Festinha simples, só para os mais chegados. Augusto era colega de faculdade da aniversariante. Já Yolanda, uma antiga amiga de colégio. Após a apresentação, principiaram uma difusa e descontraída conversa, ignorando os presentes no ambiente. Olhares tornaram-se incisivos e sedutores. Outros convidados perceberam onde aquilo ia dar.


Aos olhos dele, Yolanda era assim: uma garota inteligente, cujos papos-cabeça sobre literatura, música e cultura acrescentavam muito à vida dos que a cercavam. Tinha muito senso de humor; ria de tudo e para todos. Ele sempre esperou encontrar alguém que tivesse objetivos e iniciativas, e isso era algo profuso nela.

Pouco mais baixa que Augusto, pelas contas, deveria ter, mais ou menos, 1,71, talvez 1,72, no máximo. A pele, branca como uma folha de papel, parecia ser muito macia, pelo menos para quem observava. O sorriso, sim, era um espetáculo! Uma boca cheia de dentes também tão brancos quanto a folha. Os olhos? Verdes! Verdes, verdes! Uvas italianas! A boca, com lábios cheios de carne, possuía uma coloração um tom mais escuro que a natural; não costumava carregar muito no batom. Dois seios com formas anatômicas dignas da Vênus, ou de uma pintura renascentista. Bunda! Com alongamento na pronúncia do U, essa é a palavra certa para definir aquele grande volume traseiro de traços elipticos. Os cabelos negros e compridos tentavam, vez ou outra, esconder os seios. A natureza, no entanto, é sábia e mandava uma brisa nas horas certas.

Sua casa não estava longe. Três ou quatro quadras adiante. O coração do tristão estava disparado. Enfim encontraria sua isolda pós-ansiedade de onze semanas. Cabelo? — olhou no espelho retrovisor — Hálito? — soprou a palma da mão em concha e a cheirou.

Estacionou em frente ao número escrito no papel. Desceu, olhou a fachada por alguns segundos, suspirou e tocou a campainha. Pela vidraça, percebeu a movimentação na sala por intermédio de algumas sombras. Enfim, a porta se abriu e uma senhora saiu. Ela já vai sair!

Finalmente apareceu. Trajava um vestido escarlate digno do local para o qual se dirigiam. Atônito! Linda! Cumprimentaram-se com um beijo no rosto, despediu-se da mãe com um aceno, entraram no carro e partiram.

Sorrisos espontâneos, olhares seguidos. Frio na barriga, de ambos. O rádio foi ligado em um volume baixo para que não atrapalhasse a conversa. Falavam sobre tudo. A eloqüência da moça era admirável. Nada, porém, devia à dele. Isso aconteceu sucessivamente, até estacionarem diante do restaurante. Desceram e adentraram o recinto, não antes de Augusto entregar a chave ao manobrista.

O maitre os acompanhou até a mesa reservada havia dias. Procurando ser cavalheiro, o anfitrião afastou a cadeira para a dama se sentar. Encantada, agradeceu com um sorriso. O garçom se aproximou, anotou os pedidos e saiu, deixando o casal a sós. A partir dali, iniciaram, timidamente, uma conversa distante da que tiveram no caminho. Os olhares sinceros se cruzavam; diziam aquilo que a boca acanhada dissimulava. Quando se deram conta, as mãos já se tocavam e entrelaçavam. Mais sorrisinhos tímidos.

Permaneceram com as mesmas atitudes. Preciso ir ao toalete — licença esta que foi aceita pelo acompanhante. Estava sentindo qualquer coisa diferente do que sentira até conhece-la. O último dos solteirões, alcunha firmada pelos colegas da faculdade, enfim, apaixonado. Ah!, o amor! Começa com um oi simples; não muito tempo depois, a nova vida inicia-se com um sim!, ou aceito! Verdadeiramente Augusto ficara fascinado por ela. Cada vez que se aproximava, seu peito batia mais forte e um gelado tomava conta do abdômen.

Vinha ela em direção à mesa. Parou não mais do que três metros de distância para observar uma pintura na parede, tempo suficiente para que Augusto a admirasse da cabeça aos pés... e se deteve neles. Aliás, em um deles, mais precisamente em uma parte de um deles. Nunca havia reparado no dedão do pé esquerdo dela. Era diferente, levemente torcido, gordinho, desproporcional ao resto. Acomodava-se suavemente por cima do segundo dedo. A unha, bem pequena, circular e funda, ficava no meio dele, como uma ilha perdida no meio do Pacífico. Reluzia. Alguns segundos, mas uma revelação. Após, não conseguia parar de olhar; quando não fazia isso, pensava. O dedo quasímodo invadia seus pensamentos.

Ela se assentou e deixou escapar um sorriso. Ele também, mas era um diferente do que ostentara ao chegar. Sem graça, sem brilho.

— Está tudo bem? — ela perguntou.

— Bem? ...er, tudo ótimo! ...será que a comida vai demorar? — desviou o olhar.

O jantar foi servido; passaram a comer. Augusto calado; ela, eloquente e risonha, não sabia ele do quê, uma vez que não via graça nas piadinhas dela. Sorria para simular. Os assuntos passaram a ser maçantes, e ele não gostou quando ela se adiantou em pedir a conta a fim de que a dividissem.

Nos dias seguintes, estranhamente, Yolanda nunca conseguia encontrar Augusto, fosse por telefone ou e—mail e, quando conseguia, estava sucessivas vezes ocupado. Não podia falar muito.