CONTO: "Pantomima", de Edson Rossatto

Escureceu. O que houve? Ai meu Deus! Cadê a lanterna? Vou ver a caixa de luz. E aí, viu? Está tudo normal. Ligue para a companhia de luz. Certo, tudo bem então. Obrigado... E então? Caiu um poste na estrada. A força só voltará amanhã de manhã. Droga! Esse feriado prolongado será bem chato.

Ninguém se mexia naquela sala. Estavam todos com medo de tropeçar ou esbarrar em algum móvel ou objeto.

Era raro a família Pollonio se reunir para algum tipo de lazer. As folgas do trabalho raramente coincidiam. Excetuando-se o filho mais velho, que precisou fazer plantão no call-center onde trabalhava, os outros membros estavam na casa. Eram, ao todo, sete pessoas, contando pai, mãe e avó materna que, após a morte do marido, passou a morar com eles.


A casa não era grande. Consistia em três dormitórios, um para os pais e dois para serem divididos entre os filhos e a avó. A cozinha possuía um fogão à lenha e uma grande mesa de madeira. Na varanda, duas cadeiras de balanço e três redes garantiam o conforto durante as observações diárias da natureza. Na sala, uma lareira dava um tom bucólico à construção. Enfim, se não houvesse o problema da energia elétrica, tudo asseguraria um bom encontro familiar.

A pergunta que pairava era O que faremos até amanhã? Como bons espécimes da vida urbana, mesmo em um ambiente campestre, não pensaram em abandonar seus costumes. Na bagagem, podia-se encontrar TV e aparelho de som, além de um pequeno forno de micro-ondas.
Achadas na gaveta da cozinha, várias velas foram acesas e espalhadas pelos locais por onde as pessoas circulavam, como cozinha, sala e banheiro. Entretanto, por conta da não familiaridade com a falta de luz, todos permaneciam sentados na sala. Não tinham muito o que fazer. A mãe, responsável pelo convencimento de todos os familiares de que precisavam de um tempo juntos, não desistiu.

— Puxa, pessoal, animem-se! – levantou-se — Olhem, eu me lembro de que, quando éramos pequenos, quando faltava luz, meus irmãos e eu costumávamos brincar de fazer sombra contra a luz.

Ninguém pareceu se empolgar muito. Contudo, ela decidiu tentar. Posicionou—se contra a luz e mexeu as mãos, produzindo uma sombra na parede. O filho mais novo a observou, sem pretensão, descobrindo a intenção da mãe. Coelho! Isso mesmo! Ele vibrou de alegria. Tomou gosto pela brincadeira. Levantou-se e se colocou com as mãos em frente à vela. Agora é minha vez! Adivinhem o que é.

Os outros ficaram atentos à figura. O pai gritou e errou. A irmã gritou e errou. O irmão gritou e acertou. Ele comemorou. Era sua vez de tentar. Por mais de noventa minutos, essa cena se repetiu, até que todas as possibilidades conhecidas de se fazer formas com as mãos se esgotassem. A partir dali, com o espírito infantil que há muito alguns haviam abandonado, eles passaram a procurar outra brincadeira para passar o tempo.

— Que tal mímica? É bem engraçado!

A sugestão da filha foi aceita, mas, para que todos pudessem participar sem nenhum tipo de desvantagem, optaram por títulos de filmes. O primeiro a tentar foi o filho mais novo. Posicionou-se em frente a todos e se pôs a se movimentar. Se meu fusca falasse? Velozes e furiosos? Táxi Driver? Ninguém acertava, até que Conduzindo Miss Daisy? A avó havia acertado. A velhinha era boa de cinema. Costumava assistir a muitos filmes com o marido, até a semana de sua morte. Depois disso, não parou de vê-los: passou a assisti-los na TV a cabo. As operadoras costumavam dar cinquenta por cento de desconto para aposentados. Por essas razões, a vovó era um páreo duro a ser vencido.

Questionada se queria dar continuidade à brincadeira, a senhora preferiu declinar do convite, preferindo adivinhar os títulos a se aventurar a mimicar. O pai adiantou-se. Sua performance era engraçada na visão dos filhos, que nunca o tinham visto em uma situação como aquela. Um morto muito louco? Esqueceram de mim? O máskara? Não pessoal, prestem mais atenção! O professor aloprado? A velhinha havia acertado mais uma vez. Os mais jovens não se conformavam. A véia é f...! Depois de muita insistência, a anciã resolveu continuar a brincadeira.

A senhora se posicionou em frente a todos. Iniciou o seu balançar de mãos. Nunca havia brincado daquilo, mas, já que havia se prontificado, faria da melhor maneira possível. A múmia? Godzila? Ninguém acertava o título escolhido. King Kong? Drácula? A velha passou a gesticular com mais intensidade. O império contra-ataca? O exterminador do futuro? Ela se balançava, instigando os familiares. Alguns se levantaram. Operação Dragão?? Máquina Mortífera? A mímica da velhinha ficava mais intensa, provocando a reação imediata de todos os familiares à brincadeira. Karatê Kid? Mortal Kombat? Impacto fulminante? Depois de a velha cair dura no chão, o mais jovem pode constatar que acertara metade do que tinha acontecido. Não era o impacto, mas um infarto fulminante.