CRÔNICA: "Ah, Murphy, seu bosta!", de Edson Rossatto

Realmente estava certo o tal do Murphy, aquele das leis, conhece? Bom, ele propriamente dito eu também não conheço, aliás, nem sei quem é, ou o que foi, ou mesmo se existiu, mas atribuem a ele uma lei que eu tenho de citar como comprovadamente verdadeira: Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível. Aposto que você também já passou por uma situação assim. Todos já passaram, inclusive este que aqui escreve.

Era uma sexta-feira, dia da balada básica. O pessoal da faculdade havia combinado de ir para o barzinho tomar cerveja, e eu não poderia deixar de ir, e fui. Era uma alegria! Todos conversando, tirando barato das matérias e dos professores, e eu participando, porém, cada vez menos sorridente. Meu estômago fazia barulhos que até então eu nunca ouvira na vida, além de se movimentar de uma forma que me fazia lembrar o filme Alien, o oitavo passageiro.


Eu tinha certeza: era o suco de laranja de gosto passado, do intervalo da aula, mostrando a que viera. Maldita cantina!

Corri para o santuário dos que passam mal. Entretanto, lotado! Fila! Ah, não dava para ficar ali! Tinha de sair de fininho para ninguém me notar, afinal, era uma situação, digamos, particular... Paguei uma das cervejas que estavam na mesa e fui saindo sem me despedir, quando um infeliz amigo percebeu e passou a gritar Toma mais uma! Aí, pessoal, o Edson tá indo embora! Toma mais uma! Então, todos passaram a me perguntar o porquê de sair no melhor da festa, ignorando o suor gelado na minha testa e meus olhos quase lacrimejantes. Eu realmente precisava lhes dizer o forte motivo que me fizera abandonar aquela confraternização: Gente, minha mãe acabou de ser atropelada! Preciso correr — como se eu conseguisse naquele estado! — para casa! Após palavras de afeto e compreensão, fui correndo para casa no ritmo que conseguia.

Descia a rua cada vez mais devagar, quando fui obrigado a parar para tentar responder uma questão filosófica que me abateu repentinamente e me fez arregalar os olhos: Peido pesa? Quando meu cérebro, comprometido pela assustadora situação, conseguiu responder à indagação, imediatamente procurou se comunicar com os órgãos responsáveis a conter o iminente vazamento (suco, lembra?). Não deu...!

E se algum conhecido descesse a rua e me encontrasse daquele jeito? Precisava sair dali, custasse o que custasse. Por alguns segundos, pensei em procurar o banheiro de algum bar ali por perto, mas, como não havia nenhum à vista, deixei a civilidade de lado e passei a, sem sair do lugar, visualizar algum canto privilegiado pela discrição, entretanto, nada!

Subitamente, a usina estomacal passou a produzir mais do que a comporta podia aguentar... Não havia jeito, alguém tinha de ir me buscar. – mencionei que eu não tinha carro? — De ônibus ou táxi não dava; passei a me questionar por que não bebia perfume.

Peguei meu celular e a porcaria — adivinhem! — estava sem bateria. Passei a, desesperadamente, procurar um telefone público pelas ruas e becos. Encontrei um em um lugar afastado e escuro (quando precisava de um local assim, não encontrava!). Meus dedos trêmulos quase não conseguiam apertar as teclas certas. Ligaria a cobrar para casa a fim de que minha irmã pudesse forrar os bancos do seu carro com sacos plásticos pretos de lixo e me buscar. A maldita ligação não completava de jeito nenhum. Acredito que a droga do telefone não estava fazendo ligações a cobrar. Cartão, eu não tinha. Precisava fazer com que a ligação para a minha casa fosse completada, foi quando, lembrando-me dos filmes da tevê, tive a ideia de ligar para a polícia e pedir para que eles fizessem isso. Foi o que eu fiz: 190!

— Alô!?... É da polícia?... Meu nome é Edson Rossatto, eu estava saindo da faculdade... e aconteceu uma coisa aqui...

— Algum acidente, senhor?

— Er... bem, de certa forma, ...sim...

— Algum ferido?

Pensei em responder Só o meu orgulho e a minha vaidade!, mas era uma autoridade, e também não poderia brincar com a única oportunidade de ver aquela situação resolvida. Eu explicava a situação para o soldado, que respondia, vez ou outra, um sim, outro entendo. Quando mencionei a palavra cagado, ele emudeceu. Nem respiração eu ouvia. Depois, repentinamente, uma voz risonha pediu um momento! Fazer o quê? Eu tinha de aguentar aquilo. Aposto que, até hoje, o meu caso está no mural das histórias curiosas da polícia militar. Bom, mas quando o policial voltou à linha...

— Policial, a única coisa que quero é que o senhor complete a ligação para minha casa para eu pedir para minha irmã vir me buscar...

Ele disse que podia ser feito — maldita voz risonha! — e saiu da linha. Esperei por algum tempo, imaginando o que estava acontecendo. Mais tarde, eu fiquei sabendo. Imagine você a cena: uma senhora de 65 anos, às onze e meia da noite, de roupão, recebendo um telefonema da polícia com notícias do filho. Ainda bem que não era cardíaca.

A ligação foi completada, mas, para minha infelicidade, aquela que seria a minha heroína não estava em casa. Liga pra Tata te buscar! Tata é a minha outra irmã. Mas como ligar? Vocês conhecem todo o drama da falta de bateria, da falta de cartão, da falta de manutenção da companhia telefônica... Uma idéia reverberou em minha mente:

— Mãe, liga a senhora pra Tata e pede para ela ligar aqui neste telefone...! O número é...

E cadê o número? Não achava. O telefone estava tão riscado e quebrado que o número da plaquetinha já se tinha ido. Não tinha jeito: eu teria de ligar de novo para a polícia para que, daquela vez, completassem a ligação para a casa da Tata. Foi o que fiz. No entanto, o atendente do 190 não era o mesmo, e passei a explicar novamente o que havia ocorrido, até que, em dado momento, o estômago reverberou e o intestino resolveu dar outro alô. Minha voz começou a falhar. Tive de desligar e deixar a coisa fluir e, pela segunda vez, me questionei o motivo pelo qual eu não bebia perfume.

Passado o perrengue, — sei que não é uma bonita palavra do vernáculo, mas ilustra muito bem o momento — liguei novamente para a polícia e todo o processo inicial foi repetido, inclusive a voz risonha do novo atendente, contudo, minha outra irmã não estava em casa — estariam juntas?

Esgotadas quase todas as resoluções possíveis, resolvi tentar uma última:

— Alô!? É da ambulância?...

Eu precisava ir para casa, oras!

Eles não demoraram muito a aparecer, mas queriam me levar para um hospital. Expliquei que estava todo assado e só queria um banho, e os enfermeiros protestavam, dizendo que precisavam completar o chamado até o fim.

— Digam que não me acharam...! Por favor, eu só quero ir para casa...! (lembrei do ET no momento...)

Eles se olharam, depois olharam para mim, sorriram – ou riram, não consegui discernir — e concordaram. Eu vibraria de alegria se a situação não estivesse tão perigosa... Um deles forrou a maca com aquelas folhas gigantescas e pediu para eu me sentar. Foram me levando para casa, e eu feliz, só achei estranho usarem mascaram cirúrgicas para dirigir, embora não fosse o caso de doença contagiosa...

Cheguei em casa são e salvo, amaldiçoando o Murphy, é verdade, mas salvo! O saldo daquela noite foi um par de meias e uma cueca no lixo, uma calça jeans de molho por dois dias e um par de sapatos no mesmo processo. Quase se estragou. Que merda, hein!?