CONTO: "Achados e Perdidos", de Edson Rossatto

Segundos depois de a campainha soar, as portas se fecharam e o metrô começou a se movimentar, seguindo em direção ao lado oeste da cidade. Pela janela, ela observava os carros que circulavam pela avenida paralela aos trilhos. Vez ou outra, desviava o olhar para as pessoas dentro do vagão. Eram moças uniformizadas, homens engravatados, garotos de walkman e mochila, velhos de óculos com grossas armações... todo o tipo de gente.

O passageiro ao seu lado lia jornal. Ela alternava seu olhar para o tablóide e o rosto do homem.

— Puxa, essa violência está terrível, não? — comentou a notícia da página aberta.

O dono do periódico meneou a cabeça e, laconicamente, articulou um pois é. Não seria dali que sairia uma conversa, então ela se calou. Depois de algum tempo procurando se distrair, ouviu o prenúncio Estação Sé, desembarquem pelo lado esquerdo do trem. Seu destino havia chegado. A garota, então, se levantou, esperou as portas se abrirem e desceu, rumando para o piso superior, dirigindo-se para o guichê ao lado das catracas.


— Com licença!

Interrompido, um senhor uniformizado deixou de olhar o monitor à sua frente, virou-se e sorriu.

— Pois não?

Aquele franco sorriso foi correspondido.

— Um bom dia! Ligaram para a minha casa e disseram que encontraram a minha carteira. Será que está aí? O senhor poderia olhar?

— Ah, claro! E qual é o seu nome, senhora?

— Elaine dos Santos Carvalho. Tem meus documentos e um monte de coisas importantes. Ai, moço! Será que está aí mesmo?

O senhor, depois de consultar no computador, voltou-se para o balcão.

— Sim, Sra. Elaine, está conosco — ela soltou um aleluia. — Mas aqui consta que essa é a segunda vez que a senhora perde sua carteira aqui no metrô. Da primeira vez, deve ter buscado seu pertence no turno da noite, não?

Ela assentiu com a cabeça.

— Precisa ter mais cuidado.

— É, o senhor tem razão. Eu sou muito distraída. Imagine que, outro dia, fui ao mercado para comprar farinha. Aí eu comprei muitas coisas. Quando cheguei em casa, me lembrei que não tinha comprado justamente a farinha, acredita? Minha mãe – sabe, eu moro com ela. É tão velhinha, coitada! — ficou muito nervosa comigo. Eu vivo fazendo isso. Que coisa, não?

Dirigindo-se a um armário ao fundo, o funcionário continuou a falar. Sua eloquência era notável.

— Pois é! Mas as coisas são assim mesmo. Para a senhora ver, todos os dias, chegam diversos objetos diferentes por aqui. — dizia, enquanto mexia no armário – Trabalho nesta companhia há dezesseis anos e já vi pessoas perderem de tudo, carteiras, pacotes, envelopes, bolsas, livros, sapatos e até uma dentadura. —gargalhou — Mas o campeão é o bom e velho guarda-chuva. Em dias de temporal... aliás, quando o pé d’água já passou e as pessoas não precisam mais do guarda-chuva, aí sim é que aparecem uns cinquenta por aqui. Ah, achei!

Ele tergiversou e levou o objeto até o balcão.

— Bom, a senhora pode conferir?

Ela deixou escapar um leve sorriso e pegou a carteira. Deu uma olhada no conteúdo e viu que estava tudo certo, agradecendo o funcionário em seguida. Este tirou uma pequena etiqueta presa a ela e a devolveu à garota.

— Tenha mais cuidado, senhora! Pode ser que o passageiro que a encontre numa próxima não a traga até nós, aí já viu, né?

— Puxa, moço, obrigado mesmo! O senhor não sabe como eu me sinto aliviada por encontrar meus documentos.

— Que é isso, senhora, é o meu trabalho! Estou a seu dispor!

Fez as considerações finais, agradeceu novamente a atenção do senhor e seguiu seu caminho. Tomaria o metrô para o lado leste de São Paulo. E assim o fez. Logo que entrou no vagão, sentou-se à janela. Abriu, vacilantemente, o objeto de couro recuperado e foi remexendo o conteúdo. RG, CPF, título de eleitor, alguns papéis insignificantes, uma agendinha telefônica. Esta última, tomou particularmente em suas mãos. Folheando a caderneta, lágrimas verteram. Olhou no espaço reservado aos telefones das pessoas cujos nomes se iniciavam com a letra A: vazio. B, nada escrito. De C até Z, nenhum nome de gente, além do seu; só comerciais, como SABESP e Eletropaulo, ou úteis, entre eles Bombeiros, Polícia e CVV — Centro de Valorização da Vida.

Secou as lágrimas. O fato de ser totalmente fora dos padrões de beleza sociais não a ajudava a ter amigos, mas isso não a impediria de conversar com as pessoas. Contudo, havia cansado de ligar sempre para o mesmo lugar. O pessoal do CVV até já reconhecia a sua voz com seu alô.

Estação Carrão. Colocou a agenda de volta na carteira e se levantou, deixando o objeto sob o assento. Foi para casa aguardar a ligação dos Achados e Perdidos. Para alguém que se sentia completamente perdida, aquele senhor atencioso havia sido um verdadeiro achado.