MATÉRIA do site SINPRO sobre a hq História do Brasil em Quadrinhos, cujo roteiro é de Edson Rossatto

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

O Brasil tem uma longa tradição na produção de histórias em quadrinhos. Já em 1905, por exemplo, a revista Tico-Tico passava a ser publicada com regularidade. Mas foi mesmo a partir dos anos 1930, com os suplementos especiais das chamadas HQs, que saíam inicialmente no jornal A Nação, que os quadrinhos passaram a alcançar um público mais amplo e constituído tanto por crianças como por adultos. É verdade que, apesar de toda a trajetória criativa, essa narrativa não raro ainda é avaliada como uma forma menor de expressão cultural, como um produto de segunda categoria, algo feito apenas para entreter, sem quaisquer outros propósitos ou compromissos. Vale lembrar também que a produção nacional dos gibis não é forte o suficiente para concorrer com gigantes transnacionais como a Marvel e DC Comics, conhecidas pelas aventuras envolvendo super-heróis. Mas é fato que esse cenário, ainda bem, aos poucos vem mudando, e as HQs já conquistaram espaços importantes no país, destacando-se mais recentemente inclusive na área da educação.


Está cada vez mais frequente encontrar nas prateleiras das livrarias, por exemplo, revistas de quadrinhos que contam passagens importantes da história mundial, como a 2ª Guerra ou a Revolução Cubana; e do Brasil também, como a Guerra de Canudos e a vida do inventor do avião, Santos Dumont. Em janeiro, mais uma contribuição nessa área se efetivou: foi lançada em São Paulo a revista História do Brasil em quadrinhos (Ed. Europa – R$ 19,90), que narra boa parte dos fatos que se articularam e desembocaram na Independência do país, em 1822.

Um dos autores da obra, Edson Rossatto, conta que a publicação dessa revista segue o que parece ser uma tendência mundial. Os quadrinhos, segundo ele, estão em ascensão no mundo, e o segmento de HQs educativas, ao que tudo indica, se fortaleceu e deve continuar crescendo. Rossato, graduado em Letras pela Universidade Cruzeiro do Sul, é também roteirista, escritor e trabalha na área editorial voltada para materiais didáticos. Ele explica que a aposta das editoras no formato quadrinhos não é por acaso. Nos anos 1970 e 1980, a venda de gibis disparou no Brasil. Para o leitor ter uma ideia mais clara, foi naquele período que surgiu o maior sucesso nacional de vendas na área, assim mantendo-se até os dias de hoje: a Turma da Mônica, de Maurício de Souza. É verdade que naquele momento o público era prioritariamente infantil. E aquelas crianças cresceram encarando as histórias em quadrinhos com a maior seriedade, e o resultado é que hoje querem oferecer aos filhos a mesma experiência.

“Por isso é que o quadrinho, que era marginalizado pelas escolas, como uma produção pobre, de segunda, hoje é encarado como um complemento para ensinar os conteúdos”. A grande vantagem das HQs sobre os livros, segundo o escritor, é que esses últimos estão relacionados a atividades sérias, à obrigação de estudar, enquanto as primeiras estão associadas ao lazer, à diversão. “As escolas vêm percebendo que iniciar um assunto difícil com uma revista de quadrinhos pode quebrar a resistência dos alunos e mostrar que o que aprendem ali na aula pode ser bem divertido”, explica o autor.

Quase todas as revistas educativas de quadrinhos, aliás, se plantam sobre essa ideia de serem leves, engraçadas, cômicas. Isso tem a ver com a tradição das HQs e com a aposta das editoras e das escolas, preocupadas, como reforça Rossato, em encantar os alunos mais resistentes. Em História do Brasil em Quadrinhos, o desafio não foi exatamente fácil, afinal era preciso retratar personagens como Dom Pedro I e Dom Pedro II e contar a história mais que conhecida que vai da colonização à Independência do país para alunos e professores. Por um lado, era fundamental manter a fidelidade a determinadas características reais e a precisão histórica; por outro, foi preciso encontrar traços engraçados, ou pelo menos curiosos dos imperadores e dos membros da corte; além de destacar situações interessantes e pouco conhecidas do público. E foi exatamente isso que fizeram os autores da revista. Edson Rossatto e Jota Silvestre cuidaram da pesquisa histórica e do roteiro. Celso Kodama e Laudo fizeram os desenhos. Omar Viñole pintou tudo e André Morelli finalizou a obra. Seis destemidos contadores de história, cada um com sua arma, conseguiram sintetizar mais de 300 anos de acontecimentos e revelar uma versão – acreditem – divertida da História do Brasil, mais especificamente do episódio da Independência.

História com um toque de humor
O roteirista se diverte explicando que Pedro I era epilético, tinha amantes e filhos bastardos e que informações assim ajudam a contar uma história interessante. O desenhista Laudo conta que a pesquisa e o roteiro já chegaram para ele com muitas sugestões e referências de imagens. E ele mesmo foi buscar inspiração nas imagens que já tinha da época da corte portuguesa no país. Ele lembrou, por exemplo, das grandes costeletas e bigodes que Dom Pedro I usava e tratou de amplificar essa imagem, o que acabou produzindo uma figura engraçada, cômica. “A história já estava muito bem contada e bem humorada quando chegou para mim. O que o desenho faz é dar o tom desse humor”.

Para que serve tratar a História de um país dessa maneira cômica? Diante da pergunta, Rossato é categórico: “para humanizar os personagens, mostrar que eram gente normal, cheias de fraquezas e defeitos como qualquer um de nós e, assim aproximar uma coisa que aconteceu a tanto tempo do menino e da menina de hoje”. Laudo concorda. Para ele, a ideia de usar um quadrinho leve, bem humorado e capaz de provocar riso é mostrar um lado quase ridículo que todos os seres humanos têm. Diante dessa desmistificação seria de se esperar que as escolas – pelo menos as mais tradicionais – e os professores temessem pela desmoralização dos personagens e das passagens históricas. Mas, de acordo com os dois entrevistados, não é isso que acontece. O escritor lança a pergunta: por que a história do país precisa ter essa aura de seriedade e de lembrança intocável quando, na vida real, não foi assim que as coisas aconteceram?

“A gente tem na cabeça aquele quadro grandioso do Pedro Américo, o Grito do Ipiranga, com Dom Pedro sobre um cavalo majestoso. Mas naquele ponto não se chegava a cavalo. Só de burro ou mula. Chega a ser patético, né? Mas é a verdade e ajuda muito saber que foi assim. Aposto que nenhum aluno vai esquecer disso”, defende. E completa dizendo que a maior conseqüência de olhar a História por esse ângulo mais humanizado é perceber que são as pessoas comuns que fazem os grandes episódios acontecerem. “Ou seja, o aluno acaba entendendo que os heróis nacionais são gente comum e, portanto, ele também pode um dia fazer a história acontecer. E isso é precioso”, propõe Rossato.

Laudo tem ainda duas boas razões para defender o uso de quadrinhos na escola. A primeira é a liberdade de criação. O leitor percebe, segundo o desenhista, que houve um trabalho pessoal do ilustrador para traçar o personagem, ou a paisagem, enfim. “Mesmo que um desenho reproduza o quadro do Pedro Américo, houve uma releitura do desenhista. E isso se chama liberdade”, explica. A outra boa razão diz respeito à linguagem própria da HQ. Por exemplo, entre os quadrinhos há um espaço em branco que eventualmente é muito mais importante que as partes desenhadas. É no espaço em branco que o leitor projeta todo um tempo, recheado de acontecimentos, que foram suprimidos da narrativa. Entre o que acontece no primeiro quadrinho e o que está retratado no segundo, uma infinidade de coisas pode – ou não – ter acontecido. “E esse poder de imaginar e projetar o que tem ali no vazio está na cabeça do leitor e em nenhum outro espaço. Por isso o leitor de quadrinhos é cúmplice do desenhista e do roteirista, ele tem que se colocar na história”, instiga Laudo. Imaginando que o gibi será usado em aula, oferecer esse espaço para completar as lacunas de uma história pode ser bem valioso.

Apesar de tantas possibilidades benéficas para a educação, História do Brasil em quadrinhos não deve ser vista, segundo seus autores, como um substituto dos livros didáticos e dos paradidáticos. “O gibi é um abridor de portas, um portal que seduz e convida a entrar num universo. A gente não tem a pretensão de esgotar a Independência do Brasil em 50 páginas. Nossa vontade é ser uma entrada bem apetitosa, mas que não tira a fome do prato principal”, explica Rossato.

Ainda pela editora Europa, devem ser publicados outros quatro volumes dessa coleção. O próximo deve chegar às livrarias até o final do ano, alinhado com as comemorações dos 120 anos da Proclamação da República.